“Quem estiver obrigado a reparar um dano deve reconstituir a situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação.”
Art. 562º do Código Civil, Obrigação de Indemnização
O cálculo das indemnizações devidas por acidentes de viação é uma tarefa complexa e que depende de vários fatores, sobretudo quando se produzem danos corporais.
Ao contrário do que acontece noutros países, como Espanha ou França, em que a lei recorre a tabelas (Barème) com quantias claramente definidas para agilizar os processos de reclamação de indemnizações, a legislação portuguesa baseia-se essencialmente no princípio da equidade. Quer isto dizer que a fixação do quantum indemnizatório depende fundamentalmente dos parâmetros considerados pelo juiz e da jurisprudência que remeta para casos semelhantes.
As tabelas estão definidas partindo do princípio que o lesado vale essencialmente pela sua capacidade produtiva, ou seja, pelos rendimentos do seu trabalho.
É por este motivo que a valoração das lesões é tão importante. O historial clínico e os exames de diagnóstico são a prova principal que permitirá reclamar a indemnização “justa”.
Valoração dos danos corporais
O dano corporal é qualquer facto lesivo que prejudique a saúde física e psíquica do indivíduo.
Em consonância com outros profissionais especializados em avaliação do dano corporal, defendemos que o dano é uno e que não pode ser analisado unicamente desde uma perspetiva laboral de perda de capacidade de ganho. Antes pelo contrário, deve ser avaliado numa ótica transversal que abarque todas as implicações na vida do lesado.
Os danos advenientes de um sinistro rodoviário podem ter consequências que repercutem na atividade profissional do lesado mas também nas atividades habituais, desde as simples tarefas quotidianas até às atividades de lazer e outras.
Os danos dividem-se em dois grupos principais:
Patrimoniais:
Entende-se por dano patrimonial o prejuízo causado nos bens do lesado, que pela sua natureza possam ser objeto de reparação ou indemnização, seja mediante a restauração natural ou reconstituição da situação que existia antes do acidente, ou através de substituição por bem equivalente ou indemnização em dinheiro.
Integram o conceito de dano patrimonial:
Danos emergentes
“O dano emergente compreende o prejuízo causado nos bens ou direitos já existentes na titularidade do lesado à data da lesão.”
Art. 564º do Código Civil
Constitui dano emergente o prejuízo decorrente de perda, destruição ou danificação de bens que o acidente tenha ocasionado, bem como todas as despesas em que o sinistrado tenha que incorrer (despesas médicas e medicamentosas, refeições, estadas, transportes, auxílio de terceira pessoa, adaptação do veículo ou da residência, etc.).
Lucro cessante
Entende-se por lucro cessante a totalidade dos rendimentos perdidos, decorrentes de incapacidade temporária do lesado (baixa laboral), desde que fiscalmente documentáveis e, por outro lado, os benefícios patrimoniais que o lesado deixou de obter em consequência da lesão.
Danos Futuros
“Na fixação da indemnização pode o tribunal atender aos danos futuros desde que sejam previsíveis; se não forem determináveis a fixação da indemnização correspondente será remetida para decisão ulterior”.
Art. 564º, nº 2 do Código Civil.
O pressuposto do direito de indemnizar contemplado no Código Civil exige a reparação dos danos presentes e dos danos futuros, desde que previsíveis.
Determinar o valor exato dos danos futuros, na verdadeira aceção do termo, não é possível. Por conseguinte, a jurisprudência apoia-se nos elementos que podem ser fiscalmente comprovados (rendimentos) com outros métodos de cálculo de natureza instrumental (fórmulas e tabelas legalmente reconhecidas) para apurar qual o montante indemnizatório equitativo.
A situação mais comum no âmbito de dano futuro é a perda de capacidade de ganho gerada por uma qualquer situação de incapacidade que afete a produtividade do lesado enquanto trabalhador, o que se traduziria numa perda económica de rendimentos ou maior penosidade na execução das suas tarefas profissionais.
Até à alteração da portaria 377/2008 de 26 de Maio, pela portaria 679/2009 de 25 de Junho de 2009, só se considerava para cálculo do dano futuro, no âmbito da apresentação da proposta razoável por parte da seguradora, as incapacidades permanentes para a profissão habitual. No entanto, as alterações introduzidas pela nova portaria alargam o direito indemnizatório aos impedimentos provocados na atividade habitual, estendendo o direito de indemnização a pessoas que não exerciam nenhuma profissão à data do acidente.
A determinação do grau de incapacidade permanente para o trabalho é avaliada no âmbito da medicina legal, em concordância com a Tabela Nacional para Avaliação de Incapacidades Permanentes em Direito Civil.
Danos Materiais
No âmbito dos danos emergentes estão inseridos os danos materiais, geralmente a reparação do veículo e pagamento dos objetos danificados por consequência do acidente (telemóvel, roupa, óculos, capacete, relógio, etc.).
Apesar de ser uma das principais preocupações das pessoas que sofrem acidentes de viação, normalmente a reparação destes danos não suscita muitos problemas.
Entre os danos mais comuns estão a reparação do veículo ou indemnização pela perda total do veículo.
Entende-se por perda total de um veículo sempre que a obrigação de indemnização tenha que ser feita em dinheiro. Para isso, deverá verificar-se uma das seguintes hipóteses:
– O veículo desapareceu ou ficou totalmente destruído;
– A reparação é materialmente impossível ou não recomendável por terem sido afetadas as condições de segurança do veículo;
– O valor estimado de reparação, adicionado do valor do salvado (valor do que resta do veículo sinistrado) ultrapassar 100% ou 120% do valor venal (valor comercial do veículo), caso tenha menos ou mais de dois anos. Para os veículos com mais de 5 anos, a lei prevê uma majoração de 2% por cada ano de antiguidade acima dos 5 anos, até um máximo de 20%.
A indemnização por perda total do veículo corresponde ao valor venal do veículo à data do acidente, deduzido do respetivo valor do salvado caso este permaneça na posse do proprietário.
Sempre que a seguradora propuser o pagamento da indemnização com base no conceito de perda total, está obrigada a prestar os seguintes esclarecimentos ao lesado:
– Identificar a entidade que realizou a peritagem e avaliação do valor estimado de reparação;
– O valor venal do veículo no momento anterior ao acidente;
– A estimativa do valor do salvado e identificação de quem se compromete a adquiri-lo com base nessa avaliação.
Veículo de substituição
De acordo com o artigo 42º do Regime do Sistema do Seguro Obrigatório de Responsabilidade Civil Automóvel (DL nº 291/2007 de 21 de agosto, alterado pelo DL nº 153/2008 de 6 de agosto), sempre que o acidente obrigar à imobilização do veículo sinistrado, o lesado tem direito a um veículo de substituição de características semelhantes e que lhe permita uso idêntico para realização das suas tarefas habituais. A obrigação das empresas de seguros de facilitarem um veículo de substituição ao lesado, tem início a partir do momento em que assumem a responsabilidade do acidente.
Ainda assim, o direito a veículo de substituição não impede que o lesado seja indemnizado pelas despesas que teve com transportes e deslocações até obter um veículo de substituição.
O lesado deverá dispor de um veículo de substituição durante todo o período em que o seu veículo estiver impedido de circular ou até ao momento em que a seguradora indemniza o sinistrado por perda total do veículo.
Não patrimoniais:
Os danos não patrimoniais, ou danos morais, são, como o próprio nome indica, prejuízos de caráter pessoal e subjetivo que não são suscetíveis de uma avaliação pecuniária.
Como é facilmente compreensível, traduzir em dinheiro o abalo psíquico e emocional causado por um acidente, o valor da angústia, da dor, do sofrimento, não é o mesmo que calcular os prejuízos económicos decorrentes de um sinistro.
Para determinar a compensação devida ao lesado por estes constrangimentos foram definidos critérios que estabelecem quantias mínimas e máximas para o dano sofrido.
Em termos de proposta indemnizatória, os danos não patrimoniais compreendem, nomeadamente, o quantum doloris, o dano estético e o prejuízo de afirmação pessoal, que são objeto de uma compensação económica com base na avaliação médica da gravidade do dano e os valores remuneratórios atribuídos pela jurisprudência em situações análogas.
Estes danos são complementares, isto é, o lesado deve recebe ruma quantia por cada um dos danos e pelos restantes que não se inserem no âmbito dos danos não patrimoniais.
1. Quantum Doloris
– é uma escala que pretende quantificar a dor física e psíquica resultante não só dos ferimentos mas também dos tratamentos necessários, da angústia e ansiedade despoletadas pelas circunstâncias inerentes ao acidente, como por exemplo, a necessidade de hospitalização e de o lesado ser sujeito a intervenções cirúrgicas, a consciência do risco de vida, o afastamento da vida familiar e social, a impossibilidade de seguir com as suas obrigações profissionais, etc.
O quantum doloris deve, por conseguinte, ser avaliado segundo estas duas vertentes, física e psíquica. Contudo, a sua quantificação levanta inúmeras questões porque há pessoas com mais resistência à dor que outras, há pessoas que são capazes de superar com mais facilidade o stress pós-traumático, uma pessoa que tenha sofrido um acidente anteriormente poderá superar mais facilmente o segundo, etc. A própria personalidade do lesado, as experiências anteriores e o contexto social do indivíduo influem na forma como o dano é percecionado e vivenciado por cada pessoa.
Se por um lado temos a subjetividade da dor por parte do lesado, por outro, temos a subjetividade do médico que avalia. A portaria 377/2008 de 26 de Maio relativamente aos procedimentos obrigatórios de proposta razoável de indemnização de danos corporais decorrentes de acidentes de viação estabelece uma escala graduada de 1 a 7, sendo o valor mínimo considerado como muito ligeiro e o valor máximo entendido como muito importante. Em termos de proposta razoável de indemnização, só se consideram os danos a partir no número 4, correspondente a moderado.
Quantum Doloris | Até (Euros) |
Até 3 pontos4 PONTOS | Sem indemnização800 |
5 PONTOS | 1.600 |
6 PONTOS | 3.200 |
7 PONTOS | 5.200 |
Estes valores são meramente indicativos e correspondem às quantias mínimas exigidas por lei para cálculo da Proposta Razoável.
2. Prejuízo estético
, tal como o nome indica, o dano estético é todo o prejuízo causado na aparência física. Poderíamos inclusivamente intitulá-lo como a “ofensa à beleza ou ao estatuto estético” do sinistrado. Tal como o quantum doloris, também o dano estético tem uma componente física e psíquica. A vertente física corresponde às marcas visíveis infligidas no plano estético do indivíduo e a vertente psíquica corresponde ao desgosto e desilusão que o lesado sente por ter ficado com essas marcas.
Devem ser considerados também outros fatores para avaliar qual o prejuízo realmente causado. Uma cicatriz na perna de um homem pode não ter o mesmo “valor” que terá uma cicatriz na perna de uma mulher ou uma cicatriz na cara de uma jovem não será avaliada da mesma forma que uma cicatriz na face de uma pessoa de 80 anos, para dar alguns exemplos.
Por outro lado, o dano estético pode ser também um dano patrimonial sempre que esse dano interfira com o desempenho da atividade profissional do lesado.
Uma modelo que tenha ficado com várias cicatrizes no corpo e entendendo que estas não podem ser reparadas mediante cirurgias plásticas, certamente a lesada não poderá continuar a trabalhar nessa área. Neste caso estaríamos perante uma incapacidade permanente para o trabalho habitual e, para além do dano estético, deveria ser indemnizada também por danos patrimoniais futuros, uma vez que não poderá continuar a desempenhar a sua profissão.
Em termos de avaliação do dano estético para fins de proposta razoável, a quantificação do dano é feita também com base numa escala cujos parâmetros variam entre 1 e 7, sendo 1 muito ligeiro e 7 muito importante.
Ao contrário do quantum doloris, todos os pontos são indemnizáveis:
ANEXO I. COMPENSAÇÕES DEVIDAS POR DANOS MORAIS COMPLEMENTARES
Dano Estético | Até (Euros) |
1 PONTO | 800 |
2 PONTOS | 1.600 |
3 PONTOS | 2.400 |
4 PONTOS | 4.000 |
5 PONTOS | 5.600 |
6 PONTOS | 7.250 |
7 PONTOS | 10.000 |
* quantias mínimas exigidas por lei aquando da apresentação da proposta razoável por parte da seguradora.
3. Afirmação pessoal
o prejuízo de afirmação pessoal traduz as limitações que o lesado adquire do ponto de vista funcional e social, que interferem na sua capacidade de realização das atividades lúdicas e de lazer. Estas atividades são um fator importante de realização pessoal que, uma vez comprometido, atraem sentimentos de desgosto e quebra da alegria de viver. É por esse motivo que está prevista também a sua indemnização no âmbito da reparação de danos em Responsabilidade Civil.
Na valorização do prejuízo de afirmação pessoal é, muitas vezes, adotada uma escala de 5 graus, que começa no Moderado a vai até ao Muito Importante.